Um sábado qualquer do início do século XX. Já era hora de Pedrinho sair pra vender sonhos. Mas ele estava atrasado. Pegou a assadeira repleta de sonhos açucarados e saiu de casa. Correu pelas ruas de pedra de São Luis do Paraitinga, e ao invés de ir direto para a Praça da Matriz, uma passadinha na casa do amigo Neco. Juntos, pra Praça. Praça nada... direto pra ponte. Na verdade, pra debaixo da ponte. Mas isso mais tarde eu explico.
Depois, na praça, as vendas eram garantidas. Os sonhos que Pedrinho vendia eram famosos. Eram grandes, mas leves. Com seu sorriso simpático, ele vendia rapidinho. Seu Manoel do armazém comprava sempre uma dúzia, para revender. Dona Elisa comprava pro Marido e pro filho. E sempre o Seu Paulo comprava dois. Um pra levar, e um pro próprio Pedrinho. "Quem vende sonhos merece realizar um só seu", dizia ele.
Mas hoje estavam diferentes. "Uma receita nova, que minha mãe está testando", dizia Pedrinho.
Existem alguns tipos de sonhos. Os com açúcar branquinho, de confeiteiro, em volta do sonho todo. Os quase caramelizados, com esse açúcar molhado, brilhantes. E os sonhos de moleque, como Pedrinho. Como o de convidar um amigo pra uma traquinagem qualquer.
De volta pra ponte. Naquele sábado eles resolveram realizar o plano. Aquelas bolinhas doces, com açúcar branquinho em cima, passariam por uma transformação. Um a um, os sonhos foram se tornando caramelizados. Lambida após lambida. Pedro e Neco chegaram a enjoar de tanto doce. Mas tinham que terminar todo o serviço, não podiam deixar nenhum rastro de que os doces saíram de casa com açúcar seco.
O plano foi perfeito. Voltaram pra casa rindo muito, e dividindo o sonho pago por Seu Paulo. Chegando em casa, a mãe esperava na varanda os réis da venda da manhã. Animado e orgulhoso, Pedro entregou o dinheiro, contadinho. Um plano perfeito. Se não fosse pelo Seu Manoel, de bicicleta, passando na rua.
_ Bom dia, senhora! Gostamos muito da nova receita de sonhos de hoje!
Esta lembrança simples e infantil é uma homenagem ao meu querido Vô Pedro, que me contou essa história e a uma cidade que sofreu muito com as últimas chuvas... A Matriz não existe mais. E a ponte, só na nossa imaginação. E nos nossos sonhos.